Por muito tempo, soou mal a palavra 'empregado' para se referir a quem desempenha trabalho em uma empresa. Alguns acreditam que isto se deu em decorrência da atribuição designada a empregadas domésticas, por vezes subvalorizadas ou hostilizadas no trabalho. Se realmente este foi o motivo, deveríamos ter trocado a palavra 'doméstica', e não 'empregada'. Domesticar é algo que se atribui a animais e, por muitas vezes, foi adotado também, de forma desumana, aos escravos negros. Não vejo problema no uso da palavra 'empregado'. Ela é correta e define quem desempenha trabalho a seu empregador, segundo as leis trabalhistas. Mas por que estou falando disso? Porque, além de 'colaborador', a palavra que mais serviu para substituir 'empregado' foi 'funcionário'. Originalmente atribuída a quem desempenhava trabalho em órgãos públicos, logo passou a ser adotada por empresas. E essa realmente me causa certa aversão. Se partirmos de sua origem 'funcional', transformamos o ser humano em algo que 'funcione', que esteja em 'função' da organização à qual ele "pertence", ou seja, em algo impessoal.
O 'funcionário' é o grande vilão na luta pela diversidade e inclusão. Enquanto a Diversidade deseja que cada indivíduo possa ser quem realmente é e que as diferenças sejam percebidas e respeitadas, o funcionário existe para deixar de lado suas características individuais e pessoais. O funcionário deve evitar manifestar sentimentos no ambiente de trabalho, não deve ser influenciado por suas emoções, deve deixar os problemas de casa da porta pra fora da empresa. O funcionário passou a aprender qual é o comportamento adequado, o comportamento padrão. Nas últimas décadas, a gente foi bombardeado pelo mesmo modelo, o mesmo tipo de gente e o mesmo tipo de rosto estampando as capas de matérias sobre os exemplos de brilhantes executivos de empresas, geralmente vestindo seus ternos, com aquela verticalizada expressão corporal. Não raro, encontramos mulheres vestindo terninhos para estamparem este tipo de capa. Esse era o modelo padrão. Por muito tempo, houve escassez de diversidade nas imagens de grandes líderes. E os funcionários deveriam ser apenas funcionais: "Não misture sua vida pessoal com o trabalho, por favor!"
Agora, durante o isolamento social, a vida como ela é passou a ser escancarada diante dos nossos olhos. Você faz reunião online com o pessoal da empresa e vê crianças pedindo colo, ouve cachorro latindo, o barulho da panela de pressão e a campainha tocando. Então somos obrigados a lembrar que todo mundo é uma pessoa com uma vida além da empresa. A tentativa de romantizar faz com que a gente diga "Que lindo, estamos nos humanizando!". Ok, é verdade. Mas é mais verdade ainda que já nascemos humanos e estávamos sendo desumanizados no modelo que a gente chamava de normal. Aproveite o home office para trabalhar de verdade, sendo a pessoa que você é, de forma integral, ao invés de tentar voltar a ser um 'funcionário'.
O normal deveria ser fazer com que cada indivíduo possa ser exatamente quem ele é dentro de seu ambiente de trabalho, em todas as esferas. Isto é muito bom para as pessoas, mas é ótimo também para a empresa e seus resultados. Cada vez que uma pessoa sente que, para ser pertencente ao ambiente, ela precisa se travestir e mudar suas características essenciais, ela perde a espontaneidade. E a espontaneidade é condição básica para a criatividade, podendo ser vistas até como palavras sinônimas. Nós criamos e produzimos em nossa máxima potência e com maior engajamento, quando nos sentimos confortáveis no ambiente, quando estamos desarmados e nos sentimos livres e seguros sendo como somos. Assim, não gastamos energia, escondendo aquilo que somos, pensamos ou desejamos. Importante não confundir espontaneidade com inadequação. Ser espontâneo não significa fazer o que bem entende, agir sem pensar, sem filtro. Logicamente, dentro de cada empresa, devemos respeitar princípios, valores, ética e evitar quaisquer manifestações ofensivas ou vulgares. Mas isso não deve significar apagar o indivíduo em sua essência.
Que o terninho sirva para quem se sente bem dentro dele, mas que os turbantes e cabelos crespos e volumosos dos pretos passem a ocupar cada vez mais espaços nas capas de matérias corporativas. Que o empregado gay não tenha que ficar se policiando por medo de cometer um "deslize" que entregue quem ele realmente é. Que as mulheres executivas não se sintam obrigadas a vestirem calças para serem ouvidas e tratadas com respeito dentro do ambiente de trabalho. Que a mãe possa atender quantas ligações forem necessárias todas as vezes que seu filho estiver precisando de cuidados especiais sem se sentir julgada, afinal, ela ainda irá responder diversas mensagens de trabalho à noite, quando estiver em casa. E, principalmente, que as pessoas possam demonstrar seus sentimentos no trabalho. Se alguém precisar chorar, que se sinta acolhido. Que possa demonstrar paixão por projetos e ideias. É exatamente esse o diferencial do ser humano. A capacidade de se emocionar e se apaixonar é justamente o que nenhum robô e nenhuma inteligência artificial conseguirá substituir. Que possamos ser humanos no trabalho!
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