O que NÃO fazer no Dia Mundial da Saúde Mental
- Jorge Barros
- há 3 dias
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O Dia Mundial da Saúde Mental é nesta sexta, 10 de outubro. A data foi criada há mais de 30 anos justamente para combater o estigma sobre transtornos mentais e passou a ser também um convite para tornar mais saudável a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.
Mas, entre o discurso e a prática, há um abismo enorme. E, entre as intenções e a prática, pode haver uma distância maior ainda. Nem sempre o mais importante é fazer. Às vezes, o mais importante é querer.
Por isso, neste ano, ao invés de listar o que fazer, quero lembrar o que não adianta fazer — e por quê.
1) Não adianta sair do estigma e partir para a banalização.
Durante muito tempo, foi tabu falar de saúde mental e seus transtornos. Hoje, há o risco oposto: transformar qualquer desconforto em diagnóstico (tudo é TDAH). Isso não é responsável, nem contribui para a saúde mental.
2) Não adianta massagem se o problema é a sobrecarga.
Um spa no escritório, uma quick massage ou um brinde de aromaterapia podem até aliviar o corpo, mas não resolvem quando a mente está exausta. Saúde mental não se recupera em quinze minutos de relaxamento — se o ritmo, as metas e a forma como as pessoas se tratam continuam adoecendo o ambiente.
3) Não adianta colorir paredes se as relações continuam cinzas.
Paredes coloridas, puffs, mesas de sinuca e frases inspiradoras não compensam um cotidiano de pressão, desrespeito e medo.Clima organizacional não se pinta — se constrói nas pequenas interações, nas decisões diárias, na forma de reconhecer e escutar.
4) Não adianta meditar para fugir — meditar é para perceber.
Meditação não é anestesia emocional. É um convite para se ver com mais nitidez: perceber seu ritmo, suas dores, e o impacto dos seus atos na vida de quem está ao redor. Autoconsciência é o que transforma reatividade em presença — e presença é o começo da empatia. Não adianta meditar e ficar bem, se ao sair da almofada, você tira a paz do ambiente.
5) Não adianta pregar valores humanizados se o dia a dia é desumano.
Cultura organizacional não está nas palavras — está nas práticas, nas motivações e nas intenções. É preciso que as ações sejam intencionais, não automáticas ou performáticas. Fazer por fazer é marketing. E a cultura se revela no que as pessoas fazem quando ninguém está olhando.
6) Não adianta confundir “agilidade” com atropelo.
Agilidade não é pressa, é clareza. Não é reagir sem pensar, é responder com consciência.Quando a pressa vira modo de vida, ela atropela o discernimento — e, com ele, a saúde mental de todo mundo.
7) Não adianta esperar “resiliência” enquanto se mantém a pressão insustentável.
Ainda é comum ver descrições de vaga pedindo alguém que “saiba trabalhar sob pressão” e “seja resiliente”. Mas, se a pressão é constante, talvez o problema não seja a pessoa — seja o sistema. Resiliência não é suportar abuso ou tornar o insuportável sua rotina.
8) Não adianta o líder cuidar de si e esquecer da equipe.
Muito se fala sobre quão nocivo pode ser o líder workaholic que se sobrecarrega, mas também não adianta ser o líder que vai relaxar, fazer retiro e voltar zen, enquanto sua equipe segue adoecendo debaixo de suas cobranças e grosserias. Cuidar de si é importante, mas liderar é também cuidar do impacto que se tem sobre os outros.
9) Não adianta chamar de 'saúde mental' e continuar falando só de doença.
A conversa ainda gira mais em torno de patogênese (as causas da doença) do que de salutogênese (as causas da saúde).Fala-se de burnout, absenteísmo, estresse, pânico e diversos transtornos — mas pouco de confiança, mutualidade e vínculo.Focar só no que está doente é olhar pelo retrovisor. Cuidar da saúde mental é criar ambientes saudáveis, não apenas reagir a doenças. Saúde é mais que ausência de doença. Não ter doença é sobreviver. Saúde é viver - com vitalidade, equilíbrio emocional e bem-estar.
10) Não adianta falar em saúde mental sem falar em desigualdade.
Pessoas de grupos minorizados vivem múltiplas esferas de pressão — pela cor, gênero, origem, orientação ou condição, território.Falar em bem-estar sem olhar para as disparidades que atravessam corpos e trajetórias é enxugar gelo. Cuidar da saúde mental passa também por cuidar das condições estruturais que sustentam a vida.
11) Não adianta responsabilizar os indivíduos quando é a cultura que adoece.
Não basta ensinar a “respirar melhor” se o ar continua tóxico. Nem oferecer ferramentas para que cada um “protagonize” sua própria superação, enquanto a estrutura continua desumana. A autonomia é importante — mas sem uma cultura de apoio, pertencimento e equidade, ela se torna apenas mais uma forma de solidão disfarçada de mérito.
12) E, por fim, não adianta cuidar de indivíduos e se esquecer do coletivo.
As práticas individuais ajudam — mas a transformação é coletiva. Cuidar de saúde mental é cuidar de vínculos e de como as pessoas são tratadas. Saúde mental não é sobre cada um "dar conta" individualmente, É sobre repensar o movo como convivemos, nos relacionamos e trabalhamos para tornar possível que todos possam estar bem.
Saúde mental não é ostentação, é sustentação. E não começa na sexta-feira do dia 10: começa todos os dias, nas escolhas que fazemos sobre como existimos e como trabalhamos juntos.
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